Logo depois do acontecido, eu dei uma geral na casa. Enquanto as lágrimas ainda estavam úmidas eu passei o braço nas prateleiras derrubando quase tudo dentro de um saco preto (comemorando o luto). Na minha cabeça o teria um trabalho enorme.. eram tantas coisas que você havia deixado pra trás. Parecia que você estava incrustado nas paredes e objetos, me obrigando a detetizar a casa toda. Afinal de contas, eram muitas lembranças.
Acabou que menos de um saco grande foi o suficiente. Aquilo me sobressaltou, sempre achei que você tivesse me presenteando mais. Talvez fosse só enganação..agora que meus olhos se encontram secos eu enxergo bem que na verdade a maior parte da nossa realidade eram promessas para o futuro, poucas atitudes (esse sempre foi o seu problema).
Eu sentia que guardava as lembranças numa caixa embaixo da minha cama, um lugar que era acessível demais, perto demais, muito "esbarrável". Na verdade está tudo no saco no sótão , no terceiro andar, junto com coisas velhas. E o que percebi é que plástico não segura a lembrança. É como guardar comida recém cozida: você não vê mas o cheiro ainda está lá. Eu sentia tua presença.. mas, assim como o cheiro, aos poucos ela desaparece.
E o que eu sempre achei algo tão mundado, agora mostra-se como uma boa escolha minha. Guardar a comida me fez ter fome de outras coisas.. e o cheiro já está a se esvair.
Ao ir ao sótão hoje, vi o saco.. mas não senti mais luto.. agora o preto parecia mais um luxo de ano novo... um agradável bilhete de recomeço, um incentivo. Para agora sorrir os olhos.
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